Aos 4 e 5 anos, os pequenos estão cercados por textos e têm muitas ideias sobre a língua escrita. Conheça 6 condições didáticas para fazê-los avançar.
Mensagens, palavras, frases, textos. Compreender e ser compreendido por
meio da escrita. Eis a magia do ler e escrever. Porém, a melhor época
para se iniciar no mundo das letras tem sido um tabu ao longo dos anos.
Na escola pública, defende-se que essa prática é séria demais para a
Educação Infantil, muito escolar para os pequenos que merecem exercer
seu direito de brincar. O inverso acontece nas instituições
particulares, que defendem a alfabetização nessa faixa etária. Mas,
entre a proibição e a obrigação, existe uma criança que explora o mundo
da escrita e pensa ativamente sobre ela. As Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Infantil orientam a "articular as experiências
e os saberes das crianças com os conhecimentos que fazem parte do
patrimônio cultural". A verdade é que, desde muito novas, elas têm
acesso à linguagem escrita em seu dia a dia e, aos 4 e 5 anos, estão em
plena fase de investigação desse objeto da cultura, inclusive nos
suportes digitais. Exploram o teclado do computador, veem o bilhete à
mão preso na geladeira, reconhecem os produtos na prateleira do
supermercado, os nomes dos programas na televisão e as placas de
sinalização. A escrita está por toda parte. Postergar a interação com
ela não é uma boa opção.
No texto O Ensino e a Aprendizagem da Alfabetização: uma Perspectiva Psicológica,
de 2002, a pesquisadora argentina Ana Teberosky e a espanhola Isabel
Solé esclarecem que, nos últimos 30 anos, o avanço mais significativo na
área foi reconhecer que as hipóteses sobre a linguagem escrita de
crianças entre 3 e 5 anos fazem parte do processo de alfabetização
inicial. Essa conclusão se choca com a visão de que a pré-escola é
apenas uma etapa preparatória do Ensino Fundamental, que privilegia
treinamentos mecânicos como o desenho das letras, atividades de
coordenação visomotora e exercícios de cópia. Essas práticas
compartimentam a escrita e ignoram a qualidade da comunicação que se
estabelece por meio dela. Dividir a linguagem em etapas de pré-
alfabetização, alfabetização e pós-alfabetização é negar que existe um
processo contínuo de aprendizagem. Para favorecer o desenvolvimento dos
pequenos, vale a pena ensinar a usar as letras em situações reais de
leitura e escrita, propiciar momentos de reflexão sobre elas, conversar
sobre suas denominações e promover a relação com palavras e partes de
palavras conhecidas, como os nomes de amigos e parentes ou os títulos de
histórias.
Para explorar os textos na pré-escola
Desse modo, cabe ao educador atuar para democratizar o acesso ao mundo
da escrita, que ainda se apresenta com desigualdade para crianças de
classes sociais distintas, e ser um interlocutor inteligente dessa
aprendizagem, promovendo um ambiente alfabetizador. "O professor deve
dar todas as condições para que a sala pense sobre como se escreve, para
que se escreve e quem escreve", explica Silvana Augusto, formadora do
Instituto Avisalá. As reflexões devem levar em conta as relações entre
os elementos da linguagem verbal, pois é nessas relações que eles
encontram significado e não em partes isoladas, como as letras. Por
isso, é importante que os pequenos tenham acesso a uma diversidade de
materiais escritos, ouçam a leitura de diferentes gêneros textuais,
tenham oportunidade de escrever segundo suas ideias, interpretem o
escrito por meio do contexto e produzam textos ditados ao docente.
Além de inseri-las nas práticas reais de linguagem, é essencial que se
compreenda a forma própria que as crianças têm de construir conhecimento
sobre a escrita, conforme já demonstrado em pesquisas desde o início da
década de 1980. "Quando escrevem, elas colocam em jogo tudo o que
conhecem, expondo suas ideias, compartilhando-as com outros escritores,
como colegas e professores, e evoluindo", afirma a especialista
argentina Claudia Molinari. Ou seja, somente pensar sobre o contexto não
é suficiente, devem ter a chance de escrever. "Quando dizemos: escreva
do seu jeito, escreva o melhor que pode, estamos dando à criança a
liberdade de se expressar da forma que sabe e de acordo com as suas
capacidades no momento", explica Regina Scarpa, coordenadora pedagógica
da Fundação Victor Civita no texto O Conhecimento de Pré-escolares sobre a Escrita: Impactos de Propostas Didáticas Diferentes em Regiões Vulneráveis.
De acordo com Regina, que observou quatro turmas de Educação Infantil
para sua tese de doutorado, existem situações didáticas que impulsionam
essa aprendizagem. O trabalho com nome próprio - a primeira palavra com
significado para a criança - fornece um conjunto básico de letras que
cada um usará para compor outras palavras. Quando se promove a escrita, a
interpretação e a revisão da própria escrita, a criança começa a
estabelecer relações com o que quis dizer e o que escreveu. Na produção
de texto coletivo, com o educador atuando como escriba, os pequenos
pensam no que desejam comunicar e estabelecem diferenças entre o
registro oral e o escrito. Além disso, a organização de sala em duplas
ou subgrupos com acesso a fontes de informações favorece as trocas
produtivas e amplia consideravelmente o repertório dos pequenos.
Todas essas situações devem ser elaboradas levando em conta o ponto de
vista da criança pequena, para quem não há distinção entre aprender e
jogar. Você verá que todos vão avançar na compreensão do sistema
alfabético, sem a obrigação de chegar a uma escrita convencional. Nas
páginas seguintes, conheça exemplos de como garantir que eles desbravem
esse universo.
Conheça atividades para os pequenos desenvolverem seus conhecimentos no mundo letrado:
1) Garantir a leitura e a escrita do nome próprio e dos colegas
Na CEI Cachinhos de Ouro, em Joinville, a 176 quilômetros de
Florianópolis, Vanessa dos Santos Araújo faz questão que sua turma, de 4
anos, aprenda a escrever o nome próprio e o de alguns colegas. Há
vários momentos de reflexão na rotina: "Durante a chamada, procuramos
comparar os nomes de cada um". Fichas identificam os materiais pessoais e
são usadas para eleger o ajudante do dia. Uma das meninas olhou para o
nome sorteado e anunciou: "É a Isabela!". Quando questionada sobre como
tinha chegado àquela conclusão, a pequena disse que começava com "I" e
terminava com "A", observação comum nessa faixa etária e que pode ser
explorada para fazer comparação entre nomes. Assim, a criança passa a
refletir sobre quantidade e sequência de letras. Para aprofundar a
reflexão, os pequenos escreveram com letras móveis e, muitas vezes,
usavam as fichas da chamada como referência.
Por que é importante?
O nome próprio exprime a diferença e a identidade de cada um. Quando
pensamos em uma aprendizagem da linguagem escrita que enxerga a criança
como protagonista, é natural utilizar o que a define em primeira
instância. No ambiente escolar, o nome serve para marcar os objetos de
uso pessoal. Além disso, costuma ser a primeira forma de escrita estável
dotada de significado para os pequenos. A leitura e a escrita do
próprio nome e dos colegas é um excelente ponto de partida para refletir
sobre o sistema de escrita.
Atenção! Se a ideia é que a criança reflita sobre a
escrita do nome, suas letras iniciais e finais, a presença de
fotografias e desenhos pode desviar a atenção e servir como
identificador, subutilizando a escrita.
2) Dar oportunidade para escrever, interpretar e rever
A professora Maria Aparecida Gonçalves da Cruz, da EM Virgilio
Pedreira, em Tapiramutá, a 350 quilômetros de Salvador, propôs situações
interessantes para crianças de 5 anos. Após uma pesquisa sobre insetos,
elas confeccionaram um jogo da memória. Para começar, foi feita uma
votação para eleger quais animais, entre aqueles sugeridos pelos
pequenos, estariam no jogo. Foram escolhidos seis, como formiga,
borboleta e joaninha. Então, a professora deu uma cartela de cada inseto
para que as crianças escrevessem individualmente como quisessem. Um
menino escreveu BLT para borboleta. No dia seguinte, foi distribuída a
segunda cartela para escrita dos insetos. O mesmo garoto escreveu BLTA.
Em seguida, a docente entregou as duas fichas para cada criança e pediu
que comparassem e lessem o que escreveram. "Está faltando o ‘A’ nesse",
disse ele, que quis modificar a escrita da primeira ficha. Ao pedir que
relesse, apontou com o dedinho e leu: "Borboleta. Está bom, professora".
Por que é importante?
Ler o que se escreveu, com a oportunidade de alterar o escrito, permite
que os pequenos percebam problemas na escrita que só aparecem
claramente na revisão. Ao comparar a maneira como escreveram a mesma
palavra em dois momentos, recorrem a o que os levou a cada uma das
formas de escrita e, às vezes, conseguem uma terceira opção, sem a
obrigação de chegar à escrita convencional.
Atenção! Lembre-se de que as crianças constroem a
ideia de que para se escrever alguma coisa é preciso de, no mínimo, três
letras. Então, a escrita de dissílabos e monossílabos pode ser fonte de
conflitos.
3) Promover a produção de textos coletivos
No Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação (Cepae), da
Universidade Federal de Goiás (UFG), a turma de 4 anos da professora
Adriana Ramos estava empolgada com o faz de conta que realizaria: um
salão de beleza. As crianças decidiram convidar os colegas da sala ao
lado. "A gente pode fazer um convite igual de aniversário", sugeriram.
Em seguida, passaram a ditar o conteúdo e, com base nas intervenções da
educadora, inseriram informações essenciais e chamarizes para os amigos.
Já na EMEI Professora Marianita de Oliveira Pereira Santos, em São José
dos Campos, a 94 quilômetros de São Paulo, Zenilda Ângela D’Almeida
Teles propôs a leitura de gibis, mas não havia exemplares em sala. "Eu
tenho em casa", disseram os pequenos. Então, a professora orientou que
eles ditassem um bilhete solicitando aos pais que emprestassem os gibis
para ser usados na escola.
Por que é importante?
Ao ditar um texto e revê-lo, com base nas intervenções do professor, a
turma tem a oportunidade de pensar sobre as diferenças entre o registro
oral e o escrito. Também observa durante essa atividade como se dá a
organização da linguagem. "O que eu quero dizer?", "Para quem estou
escrevendo?", "Como transmitir essa mensagem?". Tais perguntas e o
próprio processo de revisão fazem parte do comportamento escritor ao
qual as crianças estão se aproximando, antes mesmo de saberem escrever
de forma convencional.
Atenção! O objetivo não é que os pequenos conversem
sobre o que precisa ser escrito, e sim que produzam e ditem o texto ao
professor. Assim, aprendem a diferenciar conversação e comentário de
textualização.
4) Realizar propostas diferentes em duplas ou grupos
No Colégio Termomecânica, em São Bernardo do Campo, região
metropolitana de São Paulo, a professora Margarete Alves Molgora
trabalha com uma turma bastante heterogênea, apesar de todos terem 5
anos. Por isso, ela propôs desafios diferenciados durante a atividade de
escrita sobre o livro Alice no País das Maravilhas, de Lewis
Carroll (1832-1898). Após a leitura do clássico literário, as crianças
foram divididas em duplas, de maneira a trabalhar junto com outras que
tivessem hipóteses de escrita próximas. Assim, cada uma teve aproveitada
toda a sua capacidade e se sentiu estimulada a escrever sobre a mesma
temática. Uma parte da sala registrou no caderno o início da história,
outro grupo foi desafiado a criar legendas descrevendo as
características dos personagens e um terceiro elaborou uma lista das
pessoas e dos animais presentes no livro. "Fui intervindo em cada
grupinho conforme os questionamentos e as ideias apresentadas pelos
pequenos", comenta a docente.
Por que é importante?
Serem expostas a desafios adequados a sua hipótese de escrita faz com
que as crianças se motivem a investigar. Trabalhando em duplas ou grupos
com ideias próximas às delas, terão a oportunidade de defender posições
e ouvir as dos companheiros, desenvolvendo novas estratégias para
solucionar as questões típicas do uso da linguagem. Desse modo, meninos e
meninas progridem na aprendizagem.
Atenção! As crianças já alfabéticas precisam de
outros tipos de desafio para que avancem. Por isso, a necessidade de
atividades diferenciadas em relação aos que ainda não construíram a base
alfabética.
5) Incentivar leituras com contexto verbal ou material
Após ler algumas das historinhas da Turma da Mônica, de Maurício de
Sousa, a educadora Zenilda mostrou uma lista de personagens do escritor à
turma de 5 anos e anunciou: "Aqui temos alguns dos nomes dos
personagens dos gibis que lemos. Vamos identificá-los?". Zenilda notou
que os meninos e as meninas se apoiavam no tamanho da palavra e nas
letras finais e iniciais. "Esse é a Magali porque termina com ‘I’",
disse uma das crianças. Já na turma da professora Patrícia Schulze, da
CEI Cachinhos de Ouro, os pequenos faziam um trabalho com receitas
quando usaram um catálogo de supermercado. Após selecionar os produtos
necessários, a docente mostrou as embalagens e questionou onde aparecia o
nome do ingrediente. "Um deles apontou para a marca e disse que estava
escrito leite", comenta. Ela perguntou com que letra começa "leite" e
ajudou o garoto na exploração do rótulo.
Por que é importante? Informações dadas pelo docente sobre o que está escrito e indagando onde é
um exemplo de contexto verbal. Outras vezes, as características do
próprio material, como fotos e ilustrações, fornecem um contexto que
permite à criança tentar interpretar o que está escrito. Ela utiliza
estratégias tais como antecipar o significado com base em conhecimentos
prévios e reconhecer índices gráficos, como as partes de palavras
conhecidas. Os pequenos também podem ler textos que já sabem de memória
fazendo o ajuste do falado para o texto escrito.
Atenção! Deixar que as crianças fiquem sozinhas
diante das letras e apresentar desafios de leitura sem contextos
facilitadores leva à decifração. Dessa forma, elas soletram e não chegam
ao significado do escrito.
6) Remeter a fontes de informação disponíveis na sala de aula
Na turma da professora Zenilda, meninos e meninas têm livre acesso ao
alfabeto e a letras móveis para ser consultados e manuseados quando
necessário. Já os pequenos orientados por Margarete são assíduos
frequentadores da biblioteca e da sala de informática: ambos espaços são
utilizados para leitura de textos informativos, em momentos de
pesquisa, e para a leitura de outros gêneros. A educadora Vanessa faz
questão de que os materiais de trabalho e pessoais das crianças sejam
identificados com o nome próprio. A turma da docente Adriana pode
folhear tranquilamente os livros e explorá-los da forma como desejar. Na
sala de Maria Aparecida, os pequenos emprestam livros da escola, as
levam para ler em casa com a ajuda dos pais e no dia seguinte
compartilham com os colegas o título do livro, autor, a história e a sua
opinião sobre ele. A linguagem escrita está acessível a todo instante.
Por que é importante?
Os textos utilizados em sala de aula são referências para a reflexão da
criança sobre a linguagem escrita. Vale a pena expor em local bem
visível uma lista contendo os nomes de todos da turma, o alfabeto, os
cartazes com canções e parlendas conhecidas ou com os títulos das
histórias já lidas pela classe, contendo o registro do trabalho
realizado. Esses materiais constituem-se em fontes de informação para a
turma em diversos momento da rotina e ajudam de forma adequada ao
processo contínuo de aprendizagem da leitura e da escrita.
Atenção! O ambiente alfabetizador não se constitui
apenas na colocação de cartazes em sala de aula, mas nas práticas de
leitura e escrita em torno dos mesmos. Sem intervenções, eles se tornam
meros enfeites.
Fonte: http://novaescola.org.br/creche-pre-escola/leitura-escrita-pre-escola-educacao-infantil-alfabetizacao-820073.shtml?page=3