Com
o passar do tempo, a Psicopedagogia vem ganhando espaço na Educação.
Dentro ou fora das instituições de ensino, educadores têm se debruçado
sobre questões afins à aprendizagem e à afetividade, temas básicos da
área. No entanto, a formação de muitos deles se mostra frágil e
insuficiente, o que vem desgastando a credibilidade da profissão. A
prática equivocada desses profissionais, além de não ajudar crianças e
jovens a aprender, é marcada pelo hábito de diagnosticar distúrbios,
como a dislexia. "Quem pode afirmar algo desse tipo são os médicos, que
são habilitados para tal", afirma Maria Cristina Mantovanini,
psicopedagoga com quase 30 anos de experiência. Para ela, não é problema
os docentes buscarem esse conhecimento para aperfeiçoar a prática desde
que estudem a teoria continuamente e respeitem os limites de atuação
próprios da área.
Historiadora, doutora em Psicologia Escolar
pela Universidade de São Paulo (USP) e integrante da Sociedade
Brasileira de Psicanálise (SBP), trabalhou em escolas por 14 anos. "Fui
professora em diversos segmentos - da Educação Infantil à pós- graduação
- e atuei como orientadora pedagógica. Conheço em profundidade o
cotidiano do ambiente escolar, com o qual mantenho contato direto, o que
é fundamental para atuar como psicopedagoga."
Em entrevista a
NOVA ESCOLA, Maria Cristina também fala sobre os grandes teóricos da
área e convida à reflexão sobre o jeito normativo com que a aprendizagem
tem sido encarada.
O que é Psicopedagogia e qual a função desempenhada por quem segue a carreira?
MARIA CRISTINA É
uma área do conhecimento que estuda questões ligadas à afetividade e à
cognição e trabalha com elas. Pela escassez de produção acadêmica de
qualidade sobre o tema, é difícil apresentar uma definição mais
completa. Na escola, o profissional pode desempenhar duas funções. Uma é
trabalhar diretamente com o corpo docente, abordando questões da
dinâmica da sala de aula, da relação entre alunos e professores e, entre
esses, o coordenador pedagógico e a família. Outra é atender no
contraturno as crianças que estão apresentando algumas dificuldades em
classe.
No consultório, como é a atuação desse profissional?
MARIA CRISTINA Bem
variada, mas sempre é necessário saber o objetivo do trabalho e focar
as questões cognitiva e afetiva. É impossível separar uma da outra. Se a
criança leva a lição de casa do dia para fazer lá, ele pode observar e
analisar como ela lida com o desafio e de que forma se organiza e
administra o tempo, por exemplo. Observando tudo isso, o profissional
pode intervir, conversar, problematizar a situação. Também é
interessante usar brinquedos e jogos, dentre eles os de raciocínio, como
Senha,
Mancala e baralho, para avaliar como o aluno
opera frente a problemas. Nos dias de hoje, é fundamental incluir a
informática. Lanço mão de jogos virtuais, como o
The Sims, cujo objetivo é governar uma cidade fictícia.
Em atendimentos particulares, qual deve ser a relação entre o psicopedagogo e a escola?
MARIA CRISTINA Ele
tem de conhecer a dinâmica da instituição e manter um contato estreito
com a equipe docente. Para tanto, deve se reunir com o professor ou o
coordenador ou manter com eles conversas por telefone ou e-mail.
Estudar Psicopedagogia ajuda o educador a ensinar melhor?
MARIA CRISTINA Não
necessariamente. É claro que ele pode buscar um curso sério para
aprender sobre o assunto. Porém, para ser um bom professor, é preciso
conhecer as didáticas específicas da disciplina que ensina e as teorias
do desenvolvimento e da aprendizagem, além de estudar Jean Piaget
(1896-1980), Lev Vygotsky
(1896-1934) e Henri Wallon
(1879-1962).
Acredito que seja mais proveitoso para o docente estudar e trabalhar em
parceria com colegas da escola e com o coordenador pedagógico, que deve
orientá-lo sempre.
Qual é a bibliografia básica da área de Psicopedagogia?
MARIA CRISTINA Piaget
é o primeiro autor que recomendo. Mas estudá-lo não significa ler as
obras dele uma vez e pronto. É preciso se dedicar aos textos a vida
inteira. A temática, por si só, precisa estar em foco de modo contínuo
porque a escola muda o tempo todo. Também considero importante ler os
textos do austríaco Sigmund Freud
(1856-1939) e do britânico Wilfred Bion
(1897-1979).
Dos teóricos contemporâneos, indico o italiano Antonio Imbasciati e a
argentina Sara Pain. Vale lembrar que os argentinos são precursores na
área e a apresentaram aos brasileiros. Diferentemente de nós, eles têm
uma graduação específica sobre essa área do conhecimento.
Apesar
de recente no Brasil, a profissão está desgastada. Há profissionais com
formação inadequada e práticas ineficazes. O que acha disso?
MARIA CRISTINA Infelizmente,
eu poderia passar muito tempo listando outros problemas. Hoje, qualquer
um diz que é psicopedagogo. As pessoas acham isso chique, como ser
participante de
reality show e modelo. Existem professores
particulares e fonoaudiólogos que afirmam "também faço um trabalhinho de
Psicopedagogia", assim, no diminutivo, como se fosse algo simples.
Ficam inventando diferenciais. Para ser um bom profissional, é
necessário estudar muito a fim de entender sobre afetividade, cognição e
mundo inconsciente. Só assim é possível reunir a Psicologia e a
Pedagogia. Isso aponta para outra questão problemática, a formação do
profissional. Há poucas instituições de ensino sérias, que oferecem bons
cursos. A formação do psicopedagogo carece de mudanças. Os programas
têm de ser mais longos e prever a experiência clínica obrigatória. A
dedicação só à teoria não basta. Estar na escola e contar com a
orientação de alguém com mais experiência é fundamental.
As escolas, em geral, reagem bem à intervenção de um psicopedagogo?
MARIA CRISTINA Nem
sempre. Às vezes, o início do trabalho é difícil. A situação é
contraditória: a escola está sobrecarregada - mas quando a ajuda chega
reage com desconfiança e descrença. Por um lado, quem leciona tem um
pouco de razão. O psicopedagogo é aquela pessoa que vem de fora para
opinar, mas não vive o dia a dia da sala de aula. Então, ele precisa
saber se aproximar e estabelecer uma relação de confiança, deixando
claro que quer contribuir e sabe como.